IDENTI Santa Maria das Júnias

IMAGEM

DESCRI Mosteiro

CRONO Idade Média

LUGAR Mosteiro

FREGUE Pitões das Júnias

CONCEL Montalegre

CODADM 170623

LATITU 540,2

LONGIT 215,8

ALTITU 1000m

ACESSO Cerca de 1.500 metros para Sudeste da aldeia de Pitões das Júnias. O acesso faz-se a pé (cerca de 25 minutos), pelo antigo caminho carreteiro que liga a aldeia de Pitões das Júnias ao mosteiro, cuja igreja servia até muito recentemente como igreja paroquial. O monumento está sinalizado.

QUADRO O mosteiro localiza-se numa pequena plataforma encravada no estreito vale da ribeira de Campesinho, em posição abrigada dos ventos, com boa exposição solar, abundância de água e proximidade de pequenas áreas de potencial aproveitamento agrícola. Em termos de micro-espaço, o sítio satisfaz os requisitos postulados pelas Regras Monásticas quanto aos critérios de escolha de um local para implantação de um mosteiro, ajustando-se sintomaticamente à razão fundacional primeira fixada na lenda, que a memória colectiva ainda hoje transmite, segundo a qual o mosteiro se construiu aí porque nesse local foi encontrada, num buraco de uma árvore, uma imagem de Nossa Senhora. Em termos de macro-espaço, o sítio do mosteiro encontra-se numa região de relevos montanhosos profundamente cortados por vales de margens abruptas, na bordadura Sudeste do vale da ribeira de Beredo, acidente geográfico que marca a separação entre os agrestes picos recortados da Serra do Gerês e a ondulada superfície planáltica do Barroso. Reconhecidamente uma paisagem de impressiva beleza natural, importa constatar a extrema pobreza agrícola, a baixa densidade populacional e os rigores climáticos da região.

TRAARQ

DESARQ Não terá sido a agricultura, o estímulo principal para a instalação do mosteiro em Júnias. Outras razões poderão justificar melhor a escolha feita, podendo destacar-se, entre outras, as seguintes: A) - aproveitamento da elevada aptidão do território para produção de gado, actividade económica que ainda hoje permanece como fundamental e cujas raízes remotas, na região, se podem fazer remontar aos tempos pré-históricos. B) - necessidade de cura pastoral das populações, acção que as Ordens monásticas, não sendo essa a sua vocação principal, não regeitavam. Neste sentido, a existência do mosteiro não poderá dissociar-se da existência próxima do grande povoado medieval, hoje em ruínas, localmente designado por Aldeia Velha do Juriz - corresponderá à extinta aldeia / freguesia de Sancti Vincencii de Gerez, como registam as Inquirições de 1258 ? C) - afirmação do domínio, por parte da entidade fundadora, sobre uma parcela de território sobre o qual, na época, não havia ainda definição rigorosa de dependência político-administrativa. D) - apoio à via de comunicação para Santiago de Compostela. Deve notar-se que o mosteiro de Santa Maria das Júnias se localiza na proximidade de uma via natural de comunicação entre esta parte de Portugal e a Galiza, que é o vale da ribeira de Beredo, ligando o vale do rio Cávado ao vale do rio Salas, este já da bacia hidrográfica do Lima. Do mesmo modo, a sua equidistância em relação aos mosteiros de Bouro e Celanova não será irrelevante (aproximadamente 35 Km, distância média percorrida num dia, nos tempos medievais). Sobre a história do mosteiro (processo de fundação, papel desempenhado na região, relações institucionais, etc.), pouco se conhece. Os documentos são escassos e os poucos que se conservam inéditos nunca foram estudados. Apesar desta escassez documental, o assunto já mereceu a atenção de alguns estudiosos, podendo considerar-se os trabalhos publicados por Maur Cocheril, Gonçalves da Costa, Yañez Neira e Lourenço Fontes como o contributo mais significativo, ainda não ultrapassado. Dispensamo-nos por isso de transcrever o que já foi escrito por esses autores, limitando-nos simplesmente a ordenar cronologicamente alguns factos mais relevantes, bem documentados, susceptíveis de auxiliarem o conhecimento do monumento: 1147 - fundação do mosteiro (?). Data inscrita em dois silhares da parede românica, junto à porta lateral NE, no exterior (EMC XXXV : era 1185 = ano 1147). Segundo Maur Cocheril, em 1533 Bronseval já referencia esta inscrição. 1248 - documentos relativos à anexação do mosteiro de Júnias ao mosteiro de Bouro e permuta de bens entre o primeiro e a mitra bracarense. Documentação posterior sugere que estas transacções nunca chegaram a concretizar-se. 1320/21 - o mosteiro paga de renda duzentas e setenta e cinco libras. Revela ocupação efectiva. séc. XV - crise generalizada resultante de pestes, fomes, guerras, crise eclesial e ataques e abusos sobre mosteiros, com algumas tentativas de reforma monástica nunca concretizadas. Generaliza-se a gestão por abades comendatários. Repercussões em Júnias, como se deduz da situação posterior. 1533 - passagem do Geral da Ordem de Císter, Edme de Saulieu e seu secretário, Bronseval, por Júnias. Este último descreve a igreja como conservando-se em estado aceitável e o mosteiro como estando arruinado, identificando-se contudo as várias partes do edifício. Situa num canto do claustro o casebre do capelão do comendatário, construído recentemente. até 2ª década do séc. XVII - período conturbado para Júnias, pelos conflitos com a Igreja bracarense e particularmente pela passagem do abade usurpador Frei Lorenzo de Vera. Em 1616 inicia-se o "Livro de Contas" do mosteiro, definitivamente dependente de Oseira, na Galiza. 1727 - referem-se várias obras de restauro em três quartos, moinho, cozinha, janela e corredores. 1758 - Frei Crisóstomo Diez responde ao inquérito pombalino dizendo que o pároco de Pitões é simultaneamente abade do mosteiro das Júnias, nomeado por Oseira. Refere igualmente que a igreja paroquial é a do mosteiro, mas que só se reza aí missa entre os meses de Maio e Novembro, sendo nos restantes meses utilizada a capela da aldeia. 1786 - visita regular a Júnias do abade de Oseira Frei Adriano de Huerta. Critica o desleixo da gestão que encontrou. 1834 - extinção das Ordens Religiosas em Portugal. Monges expulsos de Júnias, tal como aconteceu em todos os outros mosteiros. 1850 - morre Frei Benito Gonzales, pároco de Pitões, último abade de Júnias. 1876 - abandono definitivo do mosteiro. Como anotação suplementar, refira-se que não se conhecem vestígios arqueológicos que permitam considerar a existência de uma ocupação anterior ao século XII (a este século se poderão reportar os elementos mais antigos, expressos pela decoração arquitectónica de estilo românico e pelos sarcófagos antropomórficos). Só escavações arqueológicas poderão confirmar ou infirmar uma maior antiguidade de ocupação. O MOSTEIRO: arquitectura Por facilidade de descrição, na breve caracterização que a seguir se apresenta, tratam-se a igreja e a parte conventual separadamente. IGREJA - A nave, de planta rectangular, tem cerca de 15 metros de comprimento e 7 metros de largura, com cobertura em telhado de duas águas, hoje com telhas, suportado por traves de madeira. Na fachada NO abre-se o portal principal, em arco de volta perfeita com arquivoltas decoradas com motivos geométricos e estilizações vegetalistas, apoiadas em impostas também decoradas que se desenvolvem em friso pela fachada. O tímpano é decorado com uma cruz vazada e óculos, apoiando-se num lintel igualmente decorado, suportado por mísulas salientes igualmente com ornamentação esculpida. Sobre o portal e a toda a largura da fachada, distribuem-se regularmente cavidades para apoio do travejamento de um alpendre. Acima deste abre-se uma janela / fresta. Uma cornija moldurada de duas peças, desenhando um perfil em "S" e ressalto, remata a empena, sobre a qual se sobrepõe , elevando a fachada, um frontão-campanário, de desenho barroquisante. Nas paredes laterais, a cerca de 3 metros dos ombros da nave, abrem-se mais dois portais, formalmente semelhantes ao da fachada principal, distinguindo-se apenas pelas menores dimensões e pela ausência de arquivoltas. A meia altura do corpo da nave, no exterior e no interior, corre um friso com decoração esculpida de temática geométrica. Acima deste friso abrem-se duas janelas / frestas em cada parede. A cornija continua a da fachada. No topo da nave abre-se o arco triunfal de volta ligeiramente ultrapassada, sem decoração, por cima do qual se situa uma fresta em arco de volta perfeita, com uma moldura envolvente toreada a que se associa uma decoração esculpida de temática vegetalista. Ainda no exterior das paredes laterais, refira-se a existência de mísulas- modilhões, com face decorada, certamente destinados a suportar o travejamento de alpendres. Pelo arco triunfal faz-se a ligação à capela-mor, mais estreita que a nave e de planta menos acentuadamente rectangular (7 metros de comprimento e 6 metros de largura). A cobertura, originalmente de duas águas mas hoje apenas de uma, é em telhado apoiado numa abóbada de cruzaria de ogivas em pedra, nascendo as suas nervuras molduradas de mísulas atipicamente implantadas a cerca de 1 metro do chão. Por trás do retábulo do altar-mor, em talha de desenho barroco tardio, cuja construção ocultou a decoração em fresco do pano de abóbada desse lado, abre-se na parede da cabeceira um frestão ogival dividido em dois lumes por um mainel central, hoje partido. Este frestão foi rasgado sobre uma fresta anterior, de que se conserva o embasamento ornado com bases de colunetas boleadas. Na parede lateral NE abre-se um frestão semelhante, sem vestígio de mainel, sendo a base formada por um estátua jacente virada para o exterior, em que parece representar-se um frade (S. Bento ?). Exteriormente percebem-se, a meia altura das paredes laterais, vestígios da existência de um friso e de mísulas- modilhões. Superiormente as paredes são rematadas por uma cornija moldurada de uma só peça, com perfil em ressalto e "S". Coroando a empena da cabeceira, uma gárgula encimada por uma cruz. A análise do aparelho construtivo e da decoração arquitectónica evidencia claramente a existência de fases distintas de construção. Em termos genéricos, podemos dizer que os dois terços inferiores da nave e da capela-mor ilustram a primeira fase - aparelho de fiadas altas e soluções decorativas românicas que traduzem influência da "escola" bracarense; a cobertura abobadada ogival e os frestões da capela-mor mostram uma segunda fase - aparelho semelhante mas arquitectura e decoração plenamente góticas; o terço superior da nave e da capela-mor testemunham uma terceira fase - elevação (ou conclusão ?) das paredes, com aparelho de fiadas mais baixas e remate em cornija pós-medieval, de ambiência renascentista-barroca. Em termos de cronologia podemos avançar, obviamente como primeira aproximação, a seguinte correspondência: 1ª fase - segunda metade do século XII; 2ª fase - sécs. XIII/XIV; 3ª fase - finais séc. XVI/primeira metade séc. XVII. A decoração arquitectónica românica da igreja merece-nos ainda dois últimos comentários. Ao limitar-se aos frisos e às arcaturas dos portais, e mesmo aí com "timidez", revela uma contenção e propósitos de austeridade decorativa perfeitamente identificáveis com a prática cisterciense. Por outro lado, a mistura e brusca variação das temáticas decorativas, a par com o baixo nível técnico de execução, traduzem uma incipiente penetração de modelos e uma certa hesitação, um certo "deixar à imaginação", neste caso de canteiros pouco experientes, a escolha dos temas - em nossa opinião, mais do que verificar a existência de motivos de influência bracarense, como palmetas, lanceolados e enxaquetados, adquire particular significado a permanência de motivos recorrentes das manifestações artísticas de raíz indígena, como rosetas quadrifoliadas, suásticas e linhas meândricas, de feição claramente arcaizante. ZONA CONVENTUAL - Os anexos monásticos desenvolvem-se em quadrilátero em torno de um pátio/claustro, do lado SO da igreja. No conjunto, traduzem a aplicação do modelo-padrão das construções monásticas medievais, amplamente difundido por toda a Europa Ocidental a partir do século XII. Embora não seja possível determinar com rigor a funcionalidade de todos os espaços perceptíveis, alguns há que não oferecem dúvidas, como sejam a sala capitular, várias celas, o refeitório, a cozinha e a portaria. Pela sua localização confirma-se a organizção padrão: ala SE (lado do rio) - habitação e administração; ala SO (lado da horta) - serviços; ala NO (lado da encosta) - serviços, hospedaria e recepção. As duas primeiras alas conservam-se na sua quase totalidade e da terceira praticamente nada existe. As várias alas do mosteiro são constituídas por corpos de planta rectangular, elevando-se em dois pisos: o primeiro de paredes mais espessas e aparelho de silharia regular, embora de faces pouco cuidadas, e o segundo com paredes mais estreitas e aparelho poligonal irregular, sem afeiçoamento de faces. Uma cornija moldurada de peça única com perfil em "S" coroa as paredes ao longo de todas as alas. A cobertura, em telhado de duas águas, hoje inexistente, poderia ser feita com telhas ou com colmo - a inexistência de fragmentos de telhas nos entulhos existentes, normal mesmo quando se verifica reaproveitamento, torna a segunda hipótese mais plausível. Ao longo das paredes recortam-se vários vãos de portas, janelas e frestas, podendo distinguir-se para o primeiro piso a predominância de frestas e janelas de lados em capialço (alargando para o interior) e para o segundo piso a exclusividade de aberturas direitas e completa ausência de frestas. Ao nível do segundo piso, nas alas SE e SO, a comunicação entre os vários compartimentos faz-se através de portas pelo interior e exteriormente, do lado do claustro, por um alpendre que se estende da cela do abade até à cozinha, acompanhando sem interrupção as duas alas. Importa aqui notar que a construção deste alpendre, desenvolvendo-se na ala SE pelo meio do que seria a galeria do claustro e na ala SO quase sobrepondo o canto O da arcada do claustro, só foi possível pela anulação deste, isto é, a implantação do alpendre significa que o claustro foi demolido (ou nunca chegou a ser completamente construído). O espaço claustral, apesar da mutilação referida, ainda se afirma como espaço gerador de toda a parte conventual. No lado NE conservam-se todo o embasamento, um pilar central e três arcos da arcaria e, no canto E o arranque da arcaria da galeria SE, revelando características arquitectónicas românicas tardias, bem patente nos esguios capitéis que ainda subsistem. Estes vestígios apresentam uma modulação clara e homogénea, a partir da qual se consegue reconstituir com rigor o traçado do claustro; planta quadrada e arcarias de seis arcos; um pilar ao centro separa grupos de três arcos, todos de volta perfeita, apoiados em duplas colunetas com base moldurada e capitel esculpido; nos arcos que rematam nos pilares, meias colunetas, tipo pilastra). Dimensões verificadas: pilar central = 0,40 metros; intercolúnio = 1,25 metros; fuste = 0,20 metros; diâmetro do arco= 1,15 metros; total de uma arcaria lateral = interior 10,40 metros e exterior 9,20 metros. No subsolo das galerias do claustro deveriam enterrar-se os monges, como parece sugerir o sarcófago antropomórfico que se encontra na galeria poente e que parece ter sido retirado numa das várias obras que aí se efectuaram. Reportando-nos aos esboços interpretativos que se anexam, podemos identificar para a parte conventual duas fases construtivas distintas: a) - uma primeira, medieval (sécs. XII-XIII), de que se conservam partes significativas e a partir das quais se percebe bem a existência de um projecto coerente de construção, enquadrável nos modelos-padrão da época, dos quais se conhecem, aliás, outros exemplos (mosteiro de S. Torcato e mosteiro de S. Salvador de Souto, ambos em Guimarães). As construções limitar-se-iam a um piso único, térreo. b) - uma segunda, pós-medieval (sécs. XVI ?-XVII), que parece aproveitar as construções pré-existentes, acrescentando um piso. Estas ampliações / reconstruções parecem constituir uma solução de continuidade em termos de modelo planimétrico global. Foram, porém, introduzidas algumas alterações, nomeadamente ao nível da articulação das alas com o pátio/claustro em torno do qual se desenvolvem, que traduzem a prevalência de soluções de recurso, com manifesto desinteresse pela obtenção de equilíbrios geométricos, em detrimento de soluções harmónicas e decorrentes do projecto inicial. O reaproveitamento de sarcófagos de granito para pias na cozinha testemunha bem a existência de limitações de recursos e o pouco significado que deveriam então ter as partes conventuais que vieram a ser afectadas pela reconstrução/ampliação.

INTERP

DEPOSI

INTERE Trata-se de um monumento de inegável significado histórico regional e excepcional valor científico e patrimonial, cujo estudo é fundamental para o conhecimento da evolução do povoamento medieval e moderno na vertente nascente do maciço geresiano. Constitui já uma atracção turística, importando acompanhar, do ponto de vista da conservação e protecção, a intensa procura de que é objecto. Classificado como Monumento Nacional - Dec. nº 37728, de 5-1-1950. O Parque Nacional da Peneda-Gerês iniciou em 1994 um projecto de estudo e conservação do mosteiro, no âmbito do qual já se realizaram escavações arqueológicas, cujos resultados parecem confirmar as interpretações que se propuseram acima. Releva a identificação de sepulturas escavadas na rocha na área claustral, de acordo com a tradição monástica.

BIBLIO

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COCHERIL, M.(1986). Routier des Abbayes Cisterciennes du Portugal (revisão, correcção e notas de Gerard Leroux), Paris 1986.

COSTA, J.G.C.(1968). Montalegre e Terras de Barroso. Montalegre, 1968.

FONTES, L.(1992). Sítios e Achados Arqueológicos do Concelho de Montalegre. Braga, 1992 (edição policopiada da CCRN - Porto).

GRAF, G.N. e GUSMÃO N.(1988). Portugal Roman / 2, Ediciones Encuentro, Madrid, 1988.

YAÑEZ NEIRA, F.M.D.(1978). Datos para la historia del monasterio de Junias, Bracara Augusta , xxxii, Braga, 1978, pp.289-230+il..

AUTOR Luis Fontes

DATA 04-FEV-1998

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